Fuga da subjetivação neoliberal presente nos espaços acadêmicos, o FIGAS rasga o tecido de sua instituição materna e faz vazar expectativas que nada têm em comum com a disputa da fala, a busca irrestrita da síntese, a tara da verdade ou a autoridade do saber absoluto. O Grupo de Pesquisa FIGAS (Feminismos, Imagens, Gêneros, Artes e Sexualidades) surge no Instituto de Artes da UNESP: movidos pela ausência de lugares seguros de discussão e pela carência afetiva aprofundadas ao longo da pandemia mundial de COVID-19, um grupo de estudantes articula este espaço que mira no desmantelamento das narrativas hegemônicas (re)produzidas no campo artístico. A metodologia experimental que atravessa a discussão em texto, imagem, teoria, processo e palavras é o que guia os encontros. O afeto e a memória tecem seu jogo temporal conduzindo as próximas escolhas: a cada encontro decidimos como seguir, indicamos textos, filmes. Continuamos sem qualquer pretensão de esgotar a discussão, mantendo atensão dos fios discursivos sobre os quais caminhamos: feminismos, imagens, gêneros, artes e sexualidades.

FIGAS é alguma coisa outra, alguma palavra da encruzilhada, do entroncamento, de todos estes outros nomes. Não à toa, falamos FIGAS como quem fala algo diferente do acrônimo primeiro, como se FIGAS fosse um passo além das contenções já significadas (feminismos, imagens, gêneros, artes e sexualidades). Um pulo para fora das identidades, para fora da objetivação dos sujeitos e do mundo. Um mergulho na imaginação, na opacidade. Talvez, por isso, nossos desejos primeiros já tenham vindo no plural (feminismos, imagens, gêneros, artes e sexualidades).

FIGAS é como o vazamento de um dique, que deixa escapar a polpa vermelha de sementes amontoadas de um figo, a ferida feita de carne no muro colonial racionalista, FIGAS é o que não se deixa esconder pelas folhas de figueira (que cobrem o binário sexo discreto nas representações de Adão e Eva). FIGAS é o movimento que cavuca, abre, perfura, persiste. Agricultura experimental sem pretensão de novidade: plantar batatas e abóboras, ver nascer o encontro improvável das espécies. Continuum humano não-humano ciborgue sonhando horizontalidades: desierarquização. Avesso às monoculturas, é trabalho criativo de cultivo subversivo. Sopa de conceitos, ouvindo quem veio antes, aprendendo a brincar com suas palavras e caixa de ferramentas, botando mãos a obra na construção ativa de nós, coletivo. FIGAS como as larvas invisíveis que acham na polpa da fruta meio fértil de vida ou como as daninhas resistências que nascem das rachaduras no piche endurecido da cidade. Mas, sobretudo, é como o movimento dos dedos entrecruzados na figa, uma encruzilhada de desejos férteis e bons caminhos lançados frente ao acaso. Laroyê!

O FIGAS se torna espaço de compartilhamento dos processos, imagens, pensamentos, afetos e desejos enquanto tocamos em síncope as produções artísticas e discussões teóricas. Em cada encontro uma dupla se organiza para fazer a apresentação de dois textos teóricos em relação comde imagens, filmes, memórias, e o que mais viesse. Organizamos apresentações das integrantes, propomos exercícios: na leitura teórica escolher a frase que mais te afeta e transformar em paisagem. Alice Walker e Linda Nochlin nos colocam frente à memória, seus enlaces subjetivos e coletivos. Os jardins das nossas mães fazem brotar possibilidades de produção artística cotidianas, embaladas pela temporalidade da vida, do vivo. A falsa pergunta, “porque não houve grandes mulheres artistas”, introduz outras perguntas possíveis: quem é o sujeito na formulação de nossos enunciados? Paul Preciado e Monique Wittig dão o pontapé para elaboração de nossos diários sexuais e ainda para a construção de máquinas orgásticas. Silvia Federici, Judith Butler,  ngela Figueiredo, Joan Scott, Virginia Woolf, Jota Mombaça e Patricia Hill Collins são convidadas a bailar juntas e se tornam a bibliografia para construção de um evento. O movimento se expande para a organização do encontro cartografias afetivas/afetadas, cujos trabalhos apresentados ao longo dos de dias estão publicados nestes anais. As mesas estão aqui divididas em capítulos que aproximam os trabalhos em cinco raios: tempo e raízes; arte e pesquisa de si; corporalidades e movimento; palavras e imagens de controle; mulheres e afetação. A mesa de abertura, sobre o FIGAS, é transformada em texto nesta apresentação. Abrimos as portas e convidamos os leitores a entrarem nas elaborações visuais e escritas que se seguem, buen provecho!