O terceiro ciclo de pesquisas do FIGAS iniciou-se comuma aproximação entre duas autoras centrais na discussão do feminismo decolonial: Rita Segato e Oyèrónké Oyěwùmí.

No ensaio "Gênero e Colonialidade: do patriarcado comunitário de baixa intensidade ao patriarcado colonial-moderno de alta intensidade", Rita Segato argumenta que as relações de gênero são historicamente modificadas pela intrusão colonial, bem como pela matriz da colonialidade cristalizada e permanentemente reproduzida pelo Estado. Ela apresenta também o conceito de antropologia por demanda, que inverte a direção da interpelação para produzir conhecimento que responde às perguntas de quem classicamente figura como "objeto" de observação e pesquisa.

Propusemos um diálogo entre este texto e o capítulo "Visualizando o corpo: Teorias ocidentais e sujeitos africanos"  do livro "A Invenção das Mulheres: Construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero". O livro de Oyèrónké Oyěwùmí procura documentar por que e como o gênero veio a ser construído na sociedade iorubá a partir da influência do colonialismo, afirmando que  categoria "mulher" - que é fundacional nos discursos de gênero ocidentais - simplesmente não existia na Iorubalândia antes do contato mantido com o Ocidente.

Em nosso segundo seguimos com a leitura do livro "Visualizando o corpo: Teorias ocidentais e sujeitos africanos", de Oyèrónké Oyěwùmí. Na primeira parte do capítulo "(Re)constituindo a cosmologia e as instituições socioculturais Oyó-Iorubás", Oyèrónké argumenta que na cosmopercepção iorubá as distinções anatômicas entre os anamachos e anafêmeas não implicam na existência da noção de gênero. A autora defende que a hierarquização social nas sociedades Oyó-Iorubás se dá não a partir da noção de mulheres/homens, mas a partir das relações de senioridade entre indivíduos, que também abarca a distinção entre local/forasteiro.

Seguimos as nossas investigações, promovendo um encontro entre as descrições dos ritos de reverência e saudação feitos por Oyèrónké Oyěwùmí no capítulo "(Re)constituindo a cosmologia e as instituições socioculturais Oyó-Iorubás" e o conto "Nacirema", de Horace Minner. Desta aproximação surgiu a nossa primeira Proposta Criativa/Criadora do ano: uma investigação, por meio dos procedimentos da arte, dos rituais generificados da sociedade ocidental, buscando o desafio de descrevê-los com um falso "distanciamento antropológico" e causando, assim, estranhamento.

O último encontro do ciclo partiu do encontro entre o texto"Família e novas conjugalidades" (Berenice Bento), o curta-metragem "Os Sapatos de Aristeu" (René Guerra), e um compartilhamento de processo criativo a partir da proposta criativa Compreendendo Rituais. A publicação "Tranviad@s - Gênero, Sexualidade e Direitos Humanos" (2017) reúne textos e entrevistas de Berenice Bento, socióloga brasileira professora da Universidade de Brasília. No ensaio "Família e novas conjugalidades", a autora explora a noção de família e conjugalidade, propindo uma perspectiva transssexual para estes conceitos. No curta Os Sapatos de Aristeu (2008), de René Guerra, o corpo de uma travesti morta é preparado por outras travestis para o velório. A família, após receber o corpo, decide enterrá-lo como homem.

A proposta criativa Compreendendo Rituais propõe uma descrição detalhada e objetiva de uma ação ou situação normalizada do cotidiano que tenha algum caráter ritualístico, procurando intencionalmente causar estranhamento ao criar, nessa situação, a ausência das categorias de gênero. No compartilhamento desta semana, Mariana Pougy descreveu as diferenças nos rituais de se aprontar para sair de casa existente entre duas categorias de pessoa: Pessoas De Salto e Pessoas Sem Salto.

Bibliografia

SEGATO, Rita. Gênero e Colonialidade: do patriarcado comunitário de baixa intensidade ao patriarcado colonial-moderno de alta intensidade. In Crítica da colonialidade em oito ensaios: e uma antropologia por demanda”. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.

OYĚWÙMÍ, Oyèrónkẹ ́. Visualizando o corpo: Teorias ocidentais e sujeitos africanos. In: A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. tradução wanderson flor do nascimento. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.

OYĚWÙMÍ, Oyèrónkẹ ́. (Re)constituindo a cosmologia e as instituições socioculturais Oyó-Iorubás. In: A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. tradução wanderson flor do nascimento. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.

MINNER, Horace. “Body ritual among the Nacirema”. In: “American Anthropologist, vol. 58 (1956), pp. 503 - 507.

BENTO, Berenice. Família e novas conjugalidades. In: Tranviad@s - Gênero, Sexualidade e Direitos Humanos. EDUFBA, 2017.